quinta-feira, 28 de julho de 2011

Juliet Marillier: "Livro ajudou a combater cancro"

No início deste mês tive oportunidade de entrevistar Juliet Marillier, autora de várias obras de literatura fantástica, durante a sua passagem por Lisboa para apresentação do seu mais recente romance, 'A Vidente de Sevenwaters'. A escritora neozelandeza mostrou-se bastante atenciosa e pronta a responder a toda e qualquer dúvida. Falou, não apenas deste novo livro e da forma como a ajudou a combater um cancro, mas também do nosso País e ainda de projectos futuros. A entrevista foi publicada no jornal e no site mas, como ontem foi o aniversário da escritora, decidi partilhar aqui também. 

– A saga ‘Sevenwaters’ foi, inicialmente, publicada como uma trilogia, mas este é já o quinto livro… 

Juliet Marillier – Quando escrevi o primeiro livro, ‘A Filha da Floresta’, não estava a pensar em publicá-lo. Escrevi apenas por pura satisfação, baseando-me em ‘Os Seis Cisnes’, um conto de que gosto bastante. No entanto, quando terminei, senti necessidade de desenvolve-lo numa série de três livros, para explicar como a família continua a viver após as tragédias, que impacto tiveram estas na sua existência… E não apenas uma geração, mas as duas gerações seguintes. Depois disso, não pretendia continuar a saga ‘Sevenwaters’ mas, anos mais tarde, após ter escrito outras histórias que nada tinham a ver com esta colecção, decidi voltar àquele mundo e suas personagens por se terem tornado tão populares entre os meus leitores. São histórias diferentes, mais autónomas, sendo que cada um deles acompanha a vida de uma das filhas do Lorde de Sevenwaters. 

– Pretende escrever a história das seis filhas?

– Penso que não de todas elas, mas tenciono apresentar a de pelo menos três. Para já, tenciono ficar-me pelos seis livros. Depois disso ainda não decidi… Vai depender da minha vontade de acompanhar uma nova geração da família ou dedicar-me a algo novo.

– Tenciona continuar as outras sagas também?


– Adoro as ‘Crónicas de Bridei’ e pretendo escrever mais um livro nessa série. No entanto, é algo que irá depender do meu editor nos Estados Unidos, que não gostou tanto dessas obras quanto os outros editores. Mas, se depender de mim, terá mais um.

– Onde arranja inspiração para todas estas aventuras?


– Toda a minha vida adorei o folclore, a mitologia e a história. Inspiro-me lendo livros de história. Estudei e analisei tanto sobre o folclore e contos de fada que estes fluem através de mim.

– Costuma ter algum ritual antes de escrever?

Por vezes, oiço música mais apropriada ao tema que estou a escrever. Mas prefiro apenas sentar-me em silêncio e viajar até ao passado, de forma a poder criar as personagens. Penso que as viagens individuais de cada personagem e a forma como estas crescem ao longo da história é o mais importante.

– Escreveu este livro em 2009, quando lutava contra um cancro. Encarou esta obra como uma forma de combate?

– De certa forma, sim, o livro ajudou a combater o cancro. Estava a fazer quimioterapia, o que deixava muito cansada e sem capacidade para pensar com clareza. Sentia que era fundamental não deixar de escrever durante esse período. Considerava ser fundamental não parar. Quando lutamos contra um cancro temos necessidade de controlar algo quando tudo o resto nos escapa. Então, enquanto escrevia, controlava algo diariamente. Foi uma forma de lutar. E, ao escrever todos estes livros, com jovens mulheres fortes como personagens principais, a lutarem contra demónios e mantendo-se corajosas, senti que devia ser como elas, pois de outra forma a minha escrita seria em vão, seria como se estivesse a contar mentiras. Quando terminei os tratamentos contra o cancro, no final do ano, e vi tudo o que tinha escrito durante esse período, deitei fora bastante material por não estar bom. Mas tê-lo feito foi importante.

– Qual a sua personagem preferida neste livro?

– Terei de dizer que é o Félix, o herói desta obra. Foi uma personagem interessante de criar, pois ele naufraga e perde a memória, e pude depois dar-lhe todo um encanto particular, sem recurso ao seu passado. Já Sibeal [a vidente] foi mais fácil de criar, por me poder colocar no seu papel. Escolho-o a ele por ter sido um maior desafio. É sempre mais desafiante escrever uma narrativa do ponto de vista masculino quando se é mulher. Por vezes, tive de perguntar aos meus filhos se o que estava a escrever fazia sentido.

– É a primeira vez que visita o nosso País?

– Não, esta é já a terceira vez que venho a Portugal. Estou a conhecer o País aos poucos. Ainda não sei falar português, apesar de cada vez que volto pensar que deveria aprender o básico… Mas os portugueses falam muito rápido e não consigo acompanhar. Mas já li obras de escritores portugueses, como José Saramago. Gosto bastante dos seus livros. Era um escritor notável, cuja alma era transportada para as suas palavras. Também comecei a ouvir fado. Adoro música portuguesa. Gosto bastante de ouvir música desta região por ser muito sólida.

– Algum título de Saramago a cativou mais?

– A ‘História do Cerco de Lisboa’, por ser uma surpreendente história de amor que não segue os padrões normais.

– O seu primeiro livro baseia-se num conto. É mais fácil escrever sobre algo que já existe ou criar tudo de raiz?

– Penso que é apenas diferente. Tenho 13 romances escritos, três dos quais baseados em contos de fadas. Quando decido escrever algo a partir de um conto é porque gosto muito dessa história. A única coisa que facilita nesse caso é o facto de já existir uma estrutura pré-definida. Mas também já me baseei em contos e escrevi tudo sem seguir essa estrutura já existente, utilizando apenas alguns elementos. Por exemplo, em ‘Sangue-do-Coração’ recorri ao conto da ‘Bela e o Monstro’. É possível reconhecer elementos do conto de fadas, mas mudei vários aspectos por esse conto não se adaptar totalmente àquele tempo e cultura. Não se trata de reescrever a história, mas sim usar os seus elementos básicos para criar algo novo.

– Tal como Portugal, as suas obras têm uma forte ligação com os mares. O nosso País poderá ser cenário de um livro seu?

– Estava a pensar isso mesmo quando me encontrei com os meus fãs portugueses. É algo possível. Mas para isso teria de passar cá bastante tempo, para poder pesquisar, falar com as pessoas… Por vezes parece um pouco mal um estrangeiro tentar apropriar-se da cultura de outros. Se me inserisse nesta cultura e tivesse a certeza de que poderia ser convincente, então adoraria fazê-lo.

– Também foi necessário ficar algum tempo na Irlanda ou na Escócia para escrever as suas obras anteriores?


– Não, porque essa cultura pertence aos meus antepassados, pelo que cresci a aprender muito sobre o assunto. Ainda assim, estive algum tempo na Escócia. Penso que é importante visitar os locais, especialmente porque vivo na Austrália, que é, fisicamente, bem diferente da Europa. Não interessa quantos livros lemos ou os filmes que se vêem, nada se assemelha a estar no local. No caso de Portugal, como não conheço o idioma, teria muito trabalho pela frente para poder escrever algo apropriado a esta cultura.

– Já começou a trabalhar numa nova trilogia, intitulada ‘Shadowfell’. Quando estará pronto o primeiro volume?

A primeira parte deverá ser publicada, em inglês, em Outubro de 2012. Cada um dos volumes seguintes será publicado com um ano de intervalo.

– E o que pode contar sobre a nova saga?


– A acção passa-se na Escócia antiga. É mais num estilo fantástico, não histórico, com a interacção de personagens mitológicas escocesas. É a história sobre um rei tirano, de Alba [antigo nome da região], e dos rebeldes que lutam contra a sua repressão. Os habitantes de Alba possuem um objecto mágico dos seus antepassados e irão lutar em busca de justiça e liberdade.

– Algo ao estilo da história do herói escocês William Wallace?

– Um pouco semelhante, mas num contexto muito mais ancestral, centenas de anos antes.

– Quanto tempo dedica à pesquisa para cada obra?


– Depende do local onde se passa a acção do livro, mas normalmente demoro um ano a escrever a obra, já com a pesquisa feita. Costumo pesquisar a informação para um livro quando estou a terminar o anterior.

– Costuma estabelecer pequenas metas enquanto escreve?

– Sim, especialmente quando a escrita não está a correr tão bem quanto gostaria, de forma a continuar a escrever… Antes, costumava estabelecer um mínimo de mil palavras diárias, mas depois percebia que era algo lastimável. Quando lia parecia apenas que tinha escrito mil palavras só por escrever. Actualmente, tenho uma meta de cerca de 10 mil palavras por semana. Por vezes é mais fácil que outras.

– Baseia-se em pessoas reais para criar as suas personagens?


– Sim. Mas não baseio uma personagem apenas numa pessoa, mas sim numa mistura de várias pessoas. Todas as personagens vêm da vida real, de experiências anteriores.

– Quando começou a escrever?

– Escrevi bastante quando era jovem, mas histórias para publicar apenas comecei há 14 ou 15 anos, ou seja, uns três anos antes do lançamento de ‘A Filha da Floresta’.

– Lembra-se do primeiro texto que escreveu?

– Uma história sobre um robot que se descontrola e começa a matar toda a gente. O pai do protagonista era um inventor que tinha criado esse robot e juntos tentam depois travá-lo. É a primeira coisa que me lembro de escrever em criança. Era algo de ficção-científica. Nada a ver com os meus livros de agora. (risos)

– Alguma vez pensou em partilhar textos?

– Poderia partilhá-los com os meus fãs. Ainda tenho esses textos guardados. Talvez um dia os coloque no meu site com download gratuito. (risos)

– As suas obras foram prontamente aceites pelos seus editores?


– Tentei primeiro um editor local que eu já sabia que não iria publicar, por não gostar de fantasia, mas que tinha o hábito de ler todos os textos, enviando depois uma carta com a sua opinião. A resposta foi bastante encorajadora, tendo-me aconselhado um outro editor, ao qual enviei o meu manuscrito. Esse novo editor aceitou logo a minha obra. Tive alguma sorte, pois conheço algumas pessoas que receberam 75 rejeições antes de serem aceites pelas editoras. Se eu tivesse sido rejeitada tantas vezes talvez não tivesse continuado…

– Esperava atingir sucesso a nível mundial?


– Não. Apenas pretendia que os meus livros fossem aceites. Nunca imaginei que poderia ter tamanho sucesso, com os meus livros a chegarem a vários países.

– Quais são os seus escritores preferidos?

– É interessante, pois não leio muitos escritores com um estilo semelhante ao meu. Gosto de Ian Banks, escritor escocês. Tal como já disse, de José Saramago – gostava muito de conseguir escrever como ele, mas ele era único -, e vários escritores clássicos, como Jane Austen ou Charlotte Brontë. Sobre fantasia, gosto de Neil Gaiman e Jacqueline Carey.

– Além de uma licenciatura em Linguística, tem também formação musical. Porquê a literatura em vez da música?

– Passei algum tempo a dar aulas de música e a tocar. Essa foi a minha primeira carreira. Mas as coisas foram acontecendo. Cheguei a um momento em que a minha vida sofreu algumas mudanças e senti o desejo de escrever. Escrevi ‘A Filha da Floresta’ quase como se se tratasse de uma terapia. Depois de começar percebi que adorava escrever…

Entrevista publicada no site do CM
Crédito da foto da escritora: Mariline Alves - CM

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O adeus a Harry Potter...

Estreia hoje aquele que é, sem dúvida, o filme mais aguardado por milhões de pessoas em todo o Mundo. ‘Harry Potter e os Talismãs da Morte – Parte 2’ irá colocar frente a frente, pela última vez, o jovem feiticeiro e o temível Voldemort.


Dez anos depois do primeiro filme, chega ao final a saga que já rendeu mais de 4,5 mil milhões de euros nas bilheteiras, sendo já considerada a mais lucrativa da história.

Repleta de acção do princípio ao fim, a adaptação da segunda metade do último livro escrito por J. K. Rowling, apresenta--nos um Harry Potter (Daniel Radcliffe) bem mais crescido, não apenas fisicamente, mas também ao nível psicológico, enquanto continua a sua demanda, ao lado dos inseparáveis amigos Ron (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson) para, finalmente, destruir os ‘horcruxes’, objectos que permitem a imortalidade ao vilão Voldemort (Ralph Fiennes).

Se os primeiros filmes se mostravam algo amenos, este último transborda em emoções, mais dramático e sombrio, culminando na cena em que vários personagens perdem a vida na batalha final contra o mal.

Comparativamente às produções anteriores, verifica-se uma maior importância das personagens secundárias, como é o caso de Neville Longbottom (Matthew Lewis), fundamental no confronto final, ao comandar o ‘exército’ de Hogwarts, algo totalmente impensável em ‘Harry Potter e a Pedra Filosofal’ (2001), primeiro filme da saga.

Pela primeira vez adaptado à tecnologia 3D, destaque positivo para o trabalho do português Eduardo Serra, pela capacidade para captar a luz natural em cenas com maior escuridão.Os fãs poderão, no entanto, sentir-se desiludidos, pois o filme não deixa muitas pontas soltas, algo que pode tornar-se um obstáculo a uma continuação no caso de J. K. Rowling decidir escrever um novo tomo da saga.

sábado, 9 de julho de 2011

Bow down to king Dave!

Chegar aos 64 anos com a mesma energia de um jovem de 20 não é para qualquer um. Mas James Newell Osterberg, ou Iggy Pop como é mais conhecido mundialmente, é uma excepção. Quando faltavam 10 minutos para as 23h00, o cantor norte-americano subiu ao palco principal do Festival Optimus Alive!

Cheio de energia e vitalidade, sempre de tronco nu, cedo conquistou a plateia, já animada com a actuação anterior, dos Xutos e Pontapés, devido ao regresso de Zé Pedro aos concertos, após ter sido submetido a um transplante de fígado.

Apesar da companhia da sua banda, The Stooges, Iggy decidiu que não era o suficiente. “Venham para o palco connosco! Venham, venham…”, dirigiu à plateia, permitindo que sete fãs passassem as barreiras de segurança para dançarem ao seu lado na interpretação de ‘Search and Destroy’.

“Eu gosto muito de todos vocês! E, por isso, vou mostrar-vos o verdadeiro Rock”, prometeu Iggy. Prometeu e cumpriu. Entre ‘Shake Appeal’, ‘Gimme Danger’ e um potente ‘No Fun’, levou os 40 mil festivaleiros que assistiam ao rubro, vendo que um dos ídolos da música Rock ainda tem energia para malabarismos de microfone, saltos e até mesmo para destruir alguns suportes em palco, apesar de já andar nestas andanças há mais de 40 anos.

Em jeito de despedida, não subiu o público ao palco, mas desceu Iggy, cumprimentando efusivamente a multidão, entre acenos e abraços.

Se a noite já estava enérgica, o ritmo não diminuiu. Sete anos depois os Foo Fighters regressaram a Portugal para, ao longo de duas horas e meia, passarem em revista os 16 anos de união da banda.

O início foi marcado pela novidade, ao som de ‘Bridge Burning’, primeiro single do recém-lançado ‘Wasting Light’, seguido de ‘Rope’, também este um tema novo.

“Olá. Como estão? Nós somos os Foo Fighters. É um prazer conhecer-vos! Senhoras e senhores, temos várias músicas preparadas. Vocês querem ouvi-las?”, cumprimentou Dave Grohl. A resposta não se fez esperar, com um ‘sim’ ensurdecedor, levando o vocalista a sorrir. “Então preparem-se, pois esta noite será longa”, comprometeu-se, tendo ao fundo uma bandeira de Portugal personalizada, em que sobre a esfera armilar se podiam ver dois ‘F’, as iniciais do grupo.

Alguns poderão considerar os modos do ex-membro dos Nirvana como grosseiros – entre rotos junto ao microfone ou a sempre presente pastilha elástica a ser mascada de boca aberta -, mas Grohl não pareceu preocupar-se com essas opiniões. Para ele existe apenas o Rock, tendo deixado algumas críticas a outras bandas da actualidade.

“Este nosso novo álbum foi criado na minha garagem, gravado em cassete. Não precisamos de computadores! O Rock and Roll é sobre pessoas e instrumentos, não sobre o raio dos computadores! Lembrem-se disto quando assistirem a concertos”, alertou o vocalista.

Os temas novos foram bem recebidos pelos fãs, mas ‘My Hero’, ‘Learn To Fly’ ou ‘Breakout’ foram dos mais aclamados, não fossem estes temas imagens de marca dos Foo Fighters há muitos anos.

Grohl mostrou-se eléctrico, com um toque da sua típica loucura, com correrias constantes de um lado ao outro do palco, sempre de guitarra a tiracolo, tendo mesmo descido do palco para uma lambidela a uma das câmaras. Mas o baterista Taylor Hawkins não lhe ficou atrás, mostrando-se incansável, tendo mesmo oferecido a baquetas a um público em delírio.

Após sucessos como ‘Monkey Wrench’, ‘Best of You’, ‘Skin and Bones’ e ‘All My Life’ tudo indicava que a actuação estava no final, mas os fãs queriam mais e o grupo também, pelo que depois de saírem voltaram para um encore de três músicas, uma delas com dedicatória a quem assistia: “É um prazer tocar para uma multidão como esta. O próximo tema é para vocês”.Na despedida, o grupo norte-americano deixou ainda a promessa de regressar, ao som de ‘Everlong’. 
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O único dia que esgotou este ano no festival foi o de Coldplay mas, sinceramente, comparado com o concerto de Foo Fighters, não lhe chegou aos calcanhares, apesar de terem utilizado balões, confetis e afins... Dave Grohl, com uma guitarra, um sorriso e aquela grande voz cativou melhor o público, sem precisar de qualquer adereço! Para os Foo, cada concerto é feito como se fosse a coisa mais importante do Mundo e isso verificou-se pela paixão que demonstraram em palco no Alive!

Resta apenas dizer: BOW DOWN TO KING DAVE! (Uma vénia para o Rei Dave!) xD
Ficam dois vídeos para quem não pôde assistir:

'The Pretender'
 

'Times Like These'


quarta-feira, 6 de julho de 2011

terça-feira, 5 de julho de 2011

“O melhor terrorista é o terrorista morto”

Aqui fica a entrevista que fiz ao escritor Eric Frattini sobre o seu mais recente livro, ‘Mossad – Os Carrascos do Kidon’. Nesta obra são reveladas as origens e principais operações dos serviços de inteligência israelitas. Destaque para a penúltima questão, em que é abordado o tema do terrorismo permitindo ao leitor colocar-se no papel de 'investigador'...

Entrevista publicada no CM a 26 de Junho. Decidi partilhar aqui também, para quem não teve não teve oportunidade de ler na altura...

CM - O que é a Mossad?
Eric Frattini e exemplar da obra

Eric Frattini - Mossad é uma sigla utilizada para representar o Instituto para Inteligência e Operações Especiais, criado a 1 de Março de 1951 por ordem do primeiro-ministro israelita, David Ben Gurion. Actualmente, a Mossad é uma linha mais defensiva e de segurança de Israel, tal como o serviço de inteligência de qualquer outro país do Mundo. No entanto, no caso de Israel, converge no grande conflito que se vive no Médio Oriente, entre árabes e israelitas, desde 1948.

- É um grupo que nasceu do desejo de vingança dos israelitas, após o holocausto da II Guerra Mundial?

- Acredito que, no caso de Israel, as palavras ‘vingança’, ‘segurança’ e ‘sobrevivência’ formam uma mesma explicação num mesmo teatro geopolítico e estratégico com o é o Médio Oriente. Para Israel em geral, e para o Mossad em particular, não existe sobrevivência sem segurança e não há segurança sem violência… Talvez seja esse o pensamento de todas as partes envolvidas no conflito e, por isso mesmo, talvez nunca se consiga chegar a um acordo para a paz na região.

- Acredita na vingança como meio para solucionar um problema?

- Uma questão difícil de responder, quando direccionada a alguém que não viveu no Médio Oriente. Quando me pedem para explicar o que ocorre na região, utilizo sempre o mesmo exemplo. Imagine-se que eu (Palestina) entro num bar em que também está o ex-pugilista Mike Tyson (Israel). Começo então a implicar com ele, com empurrões, atentados, bombardeamentos com mísseis… A certa altura, Tyson irá levantar-se e utilizar a sua força contra mim, sem tentar controlar a sua potência. É isto que acontece com as operações militares de Israel contra Gaza e os palestinianos. Israel não sabe controlar a sua força de resposta e essa potência desmesurada utilizada nas suas represálias faz com que aumentem as críticas diplomáticas internacionais contra Israel. 

- A unidade Kidon, da Mossad, afirmou que não seriam assassinados ou feridos familiares de terroristas. No entanto, em casos como o do líder do Hezbolah, Abbas Musawi, líder do Hezbollah, a esposa e o filho também foram mortos…

- A afirmação foi feita por Meir Amit, director da Mossad e autor das normas que o Kidon deveria seguir. Em todas as guerras existem danos colaterais. No livro relato como o Kidon matou, na cidade norueguesa de Lillehammer, um empregado de mesa chamado Ahmed Bouchiki. Bouchiki era muito parecido com Ali Hassan Salameh, chefe supremo da organização Setembro Negro e principal responsável pelo homicídio dos atletas israelitas durante os Jogos Olímpicos de Munique. O Kidon matou o empregado à saída do cinema. Em 1996, o governo israelita, liderado por Shimon Peres, reconheceu oficialmente, 26 anos depois, que Bouchiki não era terrorista. Torrill Larsen e a sua filha, familiares de Bouchiki, receberam importante indemnização de Israel. Tal como disse, e passei por 17 guerras, há sempre vítimas inocentes, mesmo quando essa guerra se passa nas sombras. 

- Porque decidiu escrever este livro?

- Na verdade, e mantendo as distâncias, a Mossad de Israel é como a Máfia em Itália, todos sabem que existe mas ninguém fala sobre isso. Nos cinco anos que passei como correspondente em Jerusalém, não ouvi uma única vez um israelita falar sobre a Mossad, nem mesmo num bar ou numa festa. Ninguém fala do Instituto. Foi esta a razão que me levou a escrever o livro e tenho certeza de que nunca será publicado em Israel. Também acho que nenhum cidadão israelita poderia escrever um livro sobre este assunto, pois não iria conseguir distanciar-se o suficiente para manter a objectividade sobre um assunto tão delicado.

- Quais os principais obstáculo que encontrou?

Sem dúvida, o local onde procurar a informação. Esse foi o principal entrave na hora de escrever esta obra. E depois, quando a encontrava, tentar aceder-lhe. Quando se trata um tema relacionado com os serviços de inteligência, a maior parte da informação ou é secreta ou é semi-restrita. Por exemplo, para documentar o caso de Khaled Meshal [líder do Hamas], foi a própria Comissão dos Serviços de Inteligência do Parlamento de Israel quem me facultou a informação; ou para a Operação Garibaldi, tive a sorte de encontrar Peter Malkin [ex-operativo da Mossad] em Washington, onde vivia reformado com a sua filha e netos, tendo-me relatado toda a sua história. Os obstáculos surgiam quando localizava um documento e, de repente, esse ficheiro desaparecia misteriosamente, ou quando conseguia uma informação/documento de uma fonte e esta não voltava a contactar-me. Aos poucos fui preenchendo as lacunas, até conseguir escrever os 19 capítulos e 11 biografias de directores da Mossad que constituem o livro.

- Quanto tempo demorou a reunir toda a informação necessária para terminar a obra?

- Posso dizer que foram uns 20 anos, desde 1989, quando comecei a recolher informações. Depois, durante a minha estadia no Médio Oriente, entre 1989 e 1993, e finalmente entre 1997 e Dezembro de 2010, em que reuni o maior bloco de informação e documentação do livro.

- Como teve acesso aos documentos sobre as diversas operações da Mossad? 

- As fontes variaram, desde o Parlamento de Israel e o GID [Serviços de Inteligência da Jordânia], para o caso Meshal; a polícia uruguaia no caso Cuckurs; a Guardia Civil de Espanha no caso Maxwell; a polícia francesa na operação ‘Barba Azul’; a ASIO [Serviço de Inteligência] australiana para o caso Vanunu; a polícia de Malta para o caso de Shiqaqi; a Interpol para informações no caso ‘Raquete’. Como se pode ver, as minhas fontes são muito diversas…

- E quanto às fotos que acompanham os documentos?

- Exactamente o mesmo. Muitas são do meu arquivo privado, tal como as fotos de todos os directores da Mossad ou da própria sede dos Serviços de Inteligência Israelita, o qual é proibido fotografar. Depois, fui reunindo o resto do material ao longo dos anos através de fontes policiais, de serviços de inteligência, agências federais norte-americanas, etc..

- Também contactou com agentes ou ex-operacionais da Mossad?

- Sim. Alguns participaram em operações que relato neste livro e mesmo um ex-katsa (agente operacional) da Mossad que leu o manuscrito e me ajudou a ajustá-lo, em termos históricos. Outros antigos katsas leram a obra e deram a sua opinião. Uma das mais interessantes que ouvi dizia que o meu livro tem 75 por cento de realidade, 20 por cento de lenda e 5 por cento de ficção. Uma boas percentagem, tendo em conta que o livro fala sobre a Mossad.

- Teve alguma represália por escrever sobre algumas operações cuja existência os serviços de inteligência israelitas continuam a negar?

- (Risos). Espero que não me enviem uma unidade Kidon para me fazer uma visita. Tal como disse, antes de terminar o livro, este foi lido por vários agentes dos serviços de inteligência, não apenas de Israel, e ficaram realmente muito impressionados, não tanto pelo livro em si ou pelas operações nele relatadas, mas sim por ter conseguido reunir tanta informação sobre um dos serviços secretos mais herméticos que existe.
- Que diferenças existem entre a Mossad, o Aman e o Shin Bet?

- A Mossad ocupa-se das operações de inteligência no exterior do país. Já o Aman, tem a seu cargo as informações referentes à inteligência militar. Por seu turno, o Shin Bet (Serviço Geral de Segurança) ocupa-se de tudo o que é segurança e contra-espionagem no interior do país. Os serviços de inteligência encontram-se agrupados no Varash, comité composto pelos chefes dos serviços secretos, que reporta directamente ao primeiro-ministro. A Mossad conta depois com o Kidon, tal como o Shin Bet tem o AMARN, destacamento especial encoberto que opera em território palestiniano.

- Como escolheu as operações a relatar nesta obra?

- A escolha foi fácil. Apenas incluí no livro as operações sobre as quais tinha informação suficiente para completar um capítulo. Houve outras que não incluí ou porque não tinha material suficiente ou porque rasto do Kidon nelas é demasiado ténue.

- Viveu em Beirute, Nicósia, Jerusálem… Presenciou algum dos episódios que descreve neste livro?

- A operação ‘Tycoon’, quando o Kidon liquidou o magnata da imprensa Robert Maxwell, ao largo das Ilhas Canárias. Assisti ao seu funeral no Monte das Oliveiras, em Jerusalém. Também acompanhei a polémica em torno do erro da Mossad, aquando da sua tentativa de assassinato de Khaled Meshaal, do Hamas, na capital da Jordânia, em que lhe tentaram colocar veneno no ouvido através de um aerossol. Estava na Jordânia nesses dias. 

- Como foi entrevistar Yasser Arafat, Ariel Sharol ou Yitzhak Rabin?

- Todos eles são grandes políticos e fazem parte da história do Médio Oriente. Talvez aquele com que tinha menor ligação tenha sido Arafat. Entrevistei-o duas vezes, sendo que a primeira ainda foi em Tunes. Lembro-me que me expulsou do seu escritório quando lhe perguntei a sua opinião sobre um ditado israelita que diz que “um palestiniano não perde nunca a oportunidade de perder uma oportunidade”. Ofendeu-se bastante e os seus guarda-costas levaram-me até à saída. Na segunda ocasião, em Ramala, tive mais cuidado para não o ofender. Quanto a Rabin, defini-lo-ia como ‘o homem das mil caras’. Entrevistei-o pela primeira vez em 1989, quando era ministro da Defesa do governo de Unidade Nacional. Foi nessa altura que, referindo-se à Intifada disse: “Partirei os braços ao primeiro palestiniano que atirar uma pedra”. Mais tarde, encontrá-lo-ia em várias ocasiões, enquanto correspondente em Israel. Durante as negociações em Madrid para a paz no Médio Oriente e quando ele soube que deveria ser o homem a dar o primeiro para a paz com os palestinianos.

- Como comenta as declarações de Meir Dagan, director da Mossad, quando este afirma que “a execução de um terrorista é uma ferramenta do Estado para evitar ataques e reforçar a dissuasão”? 

- Para mim, o melhor terrorista é o terrorista morto. Quem pensa o contrário, certamente nunca sentiu o efeito do terrorismo ou testemunhou os ataques. Assisti a actos terroristas em Jerusalém, Madrid, Londres, Nova Iorque, Iraque, Afeganistão, Bilbao… Quem opina o contrário, mente. Coloquemos um caso extremo aos leitores: Imagine que tem à sua frente um terrorista que sabe, com toda a certeza, que colocou um engenho explosivo potente num centro comercial de Portugal. Curiosamente, esse espaço costuma ser frequentado pelos seus familiares, mãe, filhos, cônjuge… E não tem telemóvel para poder alertá-los para que abandonem o local. Como conseguirá que o terrorista confesse o local onde escondeu a bomba em menos de 30 minutos? O que fazer? O tempo começa a passar… Só já tem 25 minutos para decidir o que fazer… 20 minutos… 10 minutos… Ou o entrega à polícia e aos juízes, enquanto a bomba explode matando várias pessoas, entre os quais a sua família, ou corta dedos ao terrorista até que ele confesse onde está a bomba? Este é o dilema com que se deparam muitas vezes as nossas forças policiais e corpos de segurança. Gostaria de saber o que faria cada leitor neste caso. Eu, pessoalmente, cortaria dedos do terrorista até me dar a localização exacta da bomba.

- Após a morte de Bin Laden, vivemos num Mundo mais seguro, como afirma o presidente do EUA, Barack Obama?

- Não. O terrorismo da al-Qaeda mudou muito nos últimos cinco anos. Vejamos, como exemplo, o novo terrorismo islâmico. Há cinco anos, um cidadão do norte de África entrou em Espanha ilegalmente no porão de um camião. Não sabia ler ou escrever. Em cinco anos, não só aprendeu a escrever e a ler, como se tornou especialista em comunicações através das redes sociais. Conseguiu recrutar por toda a Europa, em nome da al-Qaeda, mais de um milhar de jihadistas para combaterem no Afeganistão. Viria a ser detido numa casa na costa espanhola. Neste momento, há sete serviços de inteligência interessados em interrogá-lo. Este é o novo terrorismo da al-Qaeda. Temos de estar sempre vigilantes…

PERFIL

Eric Frattini nasceu há 48 anos em Lima, no Peru, tendo viajado depois com a família para Espanha. Foi correspondente do Canal Plus, jornal ‘Cinco Días’ e Cadena Ser no Médio Oriente. Actualmente, é professor de Investigação Jornalística na Universidade Camilo José Cela, em Madrid. É autor de uma dúzia de livros traduzidos para várias línguas.