Ontem voltei a Portalegre. Fui lá para entregar o meu relatório de estágio e fiquei desiludido com o que me deparei: o conceito de praxe académica está, praticamente, extinto.
Os “meus” antigos caloiros estão-se a “borrifar” para o que os seus novos colegas fazem ou não.
Sinto, portanto, que eles falharam com as suas funções/obrigações e, consequentemente, que nós também falhámos, por não lhes termos dado as indicações e o exemplo necessários.
Senti saudades do tempo em que Barradinhas, Lavaredas, Esteves, Relvas, e muitos outros, estavam lá para ajudar na integração e não apenas para humilhar caloiros, com as suas brincadeiras e com a sua mente extremamente imaginativa que colocava todos a rir da situação.
Agora está tudo diferente. Dos poucos “veteranos” de JC que estavam na praça a participar nas actividades de praxe, muitos estavam lá com segundas intenções: “CAÇAR AFILHADOS!”. Uma prática repulsiva. Os caloiros são constantemente influenciados para escolher este ou aquele aluno para seu padrinho académico. Recordo-me dos meus primeiros dois anos na ESE perfeitamente…
Enquanto caloiro escolhi o meu padrinho Lavaredas porque me identificava um pouco com ele, no modo de encarar a vida com humor, tornando-a melhor para si própria mas também para todos os que o rodeavam. Foi por isso que o escolhi, porque queria ajudar outros como ele, fazendo-os rir, animando-os quando necessário… Ninguém me impulsionou a escolhê-lo. Fi-lo de livre e espontânea vontade. Já a minha madrinha, Mária, foi escolhida porque era simpática, embora pouco faladora com quem não conhecia bem, mas aplicava-se naquilo que acreditava, “safando-se” lindamente no curso.
No segundo ano fui dos poucos do meu curso que acompanhou os caloiros todos os dias da praxe, ajudando-os e brincando com eles. Lembro-me de ter ficado desiludido por, depois de tudo isto, não ter sido escolhido por nenhum deles para ser padrinho. Até que, após uma ocorrência mais triste e até algo pitoresca de um colega, uma caloira me pediu para ser seu padrinho. “Podes ser meu padrinho também? Já convidei o André, mas tu é que me ajudaste agora que eu precisava de ajuda…”. Oficialmente foi ele quem ficou como padrinho, pois ela não podia ter dois, mas não-oficialmente somos os dois padrinhos dela.
Já no terceiro ano, fui padrinho de mais três pessoas. Nenhum foi escolhido por mim, foram eles quem vieram falar comigo primeiro.
Qualquer um dos casos acima referidos mostra como as coisas devem ser feitas. Não é chegar ao pé de 10 caloiros e começar a corrê-los a perguntar “Quem quer ser meu afilhado”. Claro que, como ninguém os tem acompanhado muito e como sentem algum medo de pessoal “vestido de negro”, muitos são os que aceitam logo.
Isto é algo que deve ser corrigido com alguma urgência, pois se eles aprendem isto, quando chegar a vez deles serem veteranos vão fazer o mesmo!
Quem o faz devia ter vergonha na cara, pois pelo que me lembro dessas pessoas, não foram nada de especial no seu primeiro ano. Foram maus caloiros e agora são maus… maus não, são péssimos veteranos.
Outro caso deplorável com que me deparei foi o facto de a comissão de praxe (que sempre foi uma grande merda naquela escola) estar pior. Os membros mais antigos são os mesmos que eram, continuando a “nova regra” da comissão, em que para pertencer tem que chumbar o ano. “Queremos cá estar quando acabarem a construção do S. Mamede Shopping” deve ser o seu actual lema!
Mas reparei que não conseguiram arranjar mais membros com três matrículas que tivessem nível de burrice/estupidez semelhante à deles. Então criaram um novo cargo: “Ajudante da Comissão”. Basicamente são alunos de segundo ano, que desempenham os cargos de paus-mandados da comissão, mas têm quase a mesma autoridade que eles. Isto é, claramente, uma violação ao próprio código que a comissão entrega, no qual proíbe alunos com menos de três matrículas a praxar, sem ser pintar a cara ou mandar cantar!
Acabei o meu curso e, por isso, durante dois anos poderei lá voltar para praxar. Desta vez não levei o traje e usei emprestado o do meu colega André. Não que precisasse de traje, pois é como se já tivesse quatro matrículas, podendo praxar sem traje, mas apeteceu-me sentir novamente com o traje vestido, em memória dos velhos tempos. Durante a subida à Penha, vi um dos membros da comissão pedir a um dos seus paus-mandados ajudantes que viesse falar comigo para que despisse o traje que não era meu. Vi o parvinho subir os degraus que nos separavam e parar frente a mim.
“Pode abrir o capote se faz favor?”, perguntou-me.
Resposta: “Então mas eu conheço-te de algum lado?”. Por acaso até conheço, porque foi caloiro e eu praxei-o, mas pelos vistos ele não me conheceu.
“Pode abrir o capote se faz favor”, repetiu-me.
“Se queres saber se tenho o traje vestido por baixo, digo já que não tenho. Mas também te digo que não preciso dele para praxar. Devias ter cuidado, porque acabei o curso este ano, e foste meu caloiro. Tens que respeitar as matrículas”, disse-lhe, enquanto despia o capote, acrescentando “Mas não te preocupes que não o volto a vestir. Embora continue a praxar os que me passarem aqui, já que vocês nem isso sabem fazer.
“Se o capote não é seu não o pode ter vestido, pode segurá-lo se quiser”.
Neste momento tive vontade de o esmurrar e, só não o fiz para não perder a razão. Vi que ele não tomara atenção ao que eu lhe dissera e que não devia ter despido o capote, só para ver se mandavam um “superior hierárquico” falar comigo.
Quando um dos da comissão merecer praxar mais do que eu ou dos que entraram comigo, avisem, pois fomos praxados pelos melhores, e sabemos fazer as coisas, facilitando a vida aos caloiros!
Detesto que tenham medo de me enfrentar e mandem subalternos fazer o trabalho dos que realmente o devem fazer! Se querem dizer algo digam directamente! Se quando eu estava no terceiro ano o “General” (que continua o mesmo e igualmente parvo) veio pedir-me para orientar as praxes do nosso curso mesmo sem estar trajado, o que muda agora?
Para finalizar a noite, dois veteranos do meu curso começaram a discutir vivamente em frente aos caloiros! A discussão deveu-se ao facto de uma rapariga estar a fazer perguntas obscenas aos caloiros, tornando a situação demasiado porca e humilhante. Dou razão ao veterano que a repreendeu, mas não foi o local ideal para o fazer! Os caloiros não devem assistir a cenas destas, pois dão o mau exemplo.
Deixo aqui a minha indignação do que vi e ouvi nas minhas (poucas) horas em Portalegre. Um regresso marcado pela tristeza, pela indignação e pela saudade dos tempos em que os meus colegas e eu estávamos juntos e éramos “comandados” por quem sabia!
Posso apenas concluir que o conceito de Praxe em Portalegre está morto, ou então, que o pouco que resta dele está a desaparecer rapidamente!