quinta-feira, 28 de julho de 2011

Juliet Marillier: "Livro ajudou a combater cancro"

No início deste mês tive oportunidade de entrevistar Juliet Marillier, autora de várias obras de literatura fantástica, durante a sua passagem por Lisboa para apresentação do seu mais recente romance, 'A Vidente de Sevenwaters'. A escritora neozelandeza mostrou-se bastante atenciosa e pronta a responder a toda e qualquer dúvida. Falou, não apenas deste novo livro e da forma como a ajudou a combater um cancro, mas também do nosso País e ainda de projectos futuros. A entrevista foi publicada no jornal e no site mas, como ontem foi o aniversário da escritora, decidi partilhar aqui também. 

– A saga ‘Sevenwaters’ foi, inicialmente, publicada como uma trilogia, mas este é já o quinto livro… 

Juliet Marillier – Quando escrevi o primeiro livro, ‘A Filha da Floresta’, não estava a pensar em publicá-lo. Escrevi apenas por pura satisfação, baseando-me em ‘Os Seis Cisnes’, um conto de que gosto bastante. No entanto, quando terminei, senti necessidade de desenvolve-lo numa série de três livros, para explicar como a família continua a viver após as tragédias, que impacto tiveram estas na sua existência… E não apenas uma geração, mas as duas gerações seguintes. Depois disso, não pretendia continuar a saga ‘Sevenwaters’ mas, anos mais tarde, após ter escrito outras histórias que nada tinham a ver com esta colecção, decidi voltar àquele mundo e suas personagens por se terem tornado tão populares entre os meus leitores. São histórias diferentes, mais autónomas, sendo que cada um deles acompanha a vida de uma das filhas do Lorde de Sevenwaters. 

– Pretende escrever a história das seis filhas?

– Penso que não de todas elas, mas tenciono apresentar a de pelo menos três. Para já, tenciono ficar-me pelos seis livros. Depois disso ainda não decidi… Vai depender da minha vontade de acompanhar uma nova geração da família ou dedicar-me a algo novo.

– Tenciona continuar as outras sagas também?


– Adoro as ‘Crónicas de Bridei’ e pretendo escrever mais um livro nessa série. No entanto, é algo que irá depender do meu editor nos Estados Unidos, que não gostou tanto dessas obras quanto os outros editores. Mas, se depender de mim, terá mais um.

– Onde arranja inspiração para todas estas aventuras?


– Toda a minha vida adorei o folclore, a mitologia e a história. Inspiro-me lendo livros de história. Estudei e analisei tanto sobre o folclore e contos de fada que estes fluem através de mim.

– Costuma ter algum ritual antes de escrever?

Por vezes, oiço música mais apropriada ao tema que estou a escrever. Mas prefiro apenas sentar-me em silêncio e viajar até ao passado, de forma a poder criar as personagens. Penso que as viagens individuais de cada personagem e a forma como estas crescem ao longo da história é o mais importante.

– Escreveu este livro em 2009, quando lutava contra um cancro. Encarou esta obra como uma forma de combate?

– De certa forma, sim, o livro ajudou a combater o cancro. Estava a fazer quimioterapia, o que deixava muito cansada e sem capacidade para pensar com clareza. Sentia que era fundamental não deixar de escrever durante esse período. Considerava ser fundamental não parar. Quando lutamos contra um cancro temos necessidade de controlar algo quando tudo o resto nos escapa. Então, enquanto escrevia, controlava algo diariamente. Foi uma forma de lutar. E, ao escrever todos estes livros, com jovens mulheres fortes como personagens principais, a lutarem contra demónios e mantendo-se corajosas, senti que devia ser como elas, pois de outra forma a minha escrita seria em vão, seria como se estivesse a contar mentiras. Quando terminei os tratamentos contra o cancro, no final do ano, e vi tudo o que tinha escrito durante esse período, deitei fora bastante material por não estar bom. Mas tê-lo feito foi importante.

– Qual a sua personagem preferida neste livro?

– Terei de dizer que é o Félix, o herói desta obra. Foi uma personagem interessante de criar, pois ele naufraga e perde a memória, e pude depois dar-lhe todo um encanto particular, sem recurso ao seu passado. Já Sibeal [a vidente] foi mais fácil de criar, por me poder colocar no seu papel. Escolho-o a ele por ter sido um maior desafio. É sempre mais desafiante escrever uma narrativa do ponto de vista masculino quando se é mulher. Por vezes, tive de perguntar aos meus filhos se o que estava a escrever fazia sentido.

– É a primeira vez que visita o nosso País?

– Não, esta é já a terceira vez que venho a Portugal. Estou a conhecer o País aos poucos. Ainda não sei falar português, apesar de cada vez que volto pensar que deveria aprender o básico… Mas os portugueses falam muito rápido e não consigo acompanhar. Mas já li obras de escritores portugueses, como José Saramago. Gosto bastante dos seus livros. Era um escritor notável, cuja alma era transportada para as suas palavras. Também comecei a ouvir fado. Adoro música portuguesa. Gosto bastante de ouvir música desta região por ser muito sólida.

– Algum título de Saramago a cativou mais?

– A ‘História do Cerco de Lisboa’, por ser uma surpreendente história de amor que não segue os padrões normais.

– O seu primeiro livro baseia-se num conto. É mais fácil escrever sobre algo que já existe ou criar tudo de raiz?

– Penso que é apenas diferente. Tenho 13 romances escritos, três dos quais baseados em contos de fadas. Quando decido escrever algo a partir de um conto é porque gosto muito dessa história. A única coisa que facilita nesse caso é o facto de já existir uma estrutura pré-definida. Mas também já me baseei em contos e escrevi tudo sem seguir essa estrutura já existente, utilizando apenas alguns elementos. Por exemplo, em ‘Sangue-do-Coração’ recorri ao conto da ‘Bela e o Monstro’. É possível reconhecer elementos do conto de fadas, mas mudei vários aspectos por esse conto não se adaptar totalmente àquele tempo e cultura. Não se trata de reescrever a história, mas sim usar os seus elementos básicos para criar algo novo.

– Tal como Portugal, as suas obras têm uma forte ligação com os mares. O nosso País poderá ser cenário de um livro seu?

– Estava a pensar isso mesmo quando me encontrei com os meus fãs portugueses. É algo possível. Mas para isso teria de passar cá bastante tempo, para poder pesquisar, falar com as pessoas… Por vezes parece um pouco mal um estrangeiro tentar apropriar-se da cultura de outros. Se me inserisse nesta cultura e tivesse a certeza de que poderia ser convincente, então adoraria fazê-lo.

– Também foi necessário ficar algum tempo na Irlanda ou na Escócia para escrever as suas obras anteriores?


– Não, porque essa cultura pertence aos meus antepassados, pelo que cresci a aprender muito sobre o assunto. Ainda assim, estive algum tempo na Escócia. Penso que é importante visitar os locais, especialmente porque vivo na Austrália, que é, fisicamente, bem diferente da Europa. Não interessa quantos livros lemos ou os filmes que se vêem, nada se assemelha a estar no local. No caso de Portugal, como não conheço o idioma, teria muito trabalho pela frente para poder escrever algo apropriado a esta cultura.

– Já começou a trabalhar numa nova trilogia, intitulada ‘Shadowfell’. Quando estará pronto o primeiro volume?

A primeira parte deverá ser publicada, em inglês, em Outubro de 2012. Cada um dos volumes seguintes será publicado com um ano de intervalo.

– E o que pode contar sobre a nova saga?


– A acção passa-se na Escócia antiga. É mais num estilo fantástico, não histórico, com a interacção de personagens mitológicas escocesas. É a história sobre um rei tirano, de Alba [antigo nome da região], e dos rebeldes que lutam contra a sua repressão. Os habitantes de Alba possuem um objecto mágico dos seus antepassados e irão lutar em busca de justiça e liberdade.

– Algo ao estilo da história do herói escocês William Wallace?

– Um pouco semelhante, mas num contexto muito mais ancestral, centenas de anos antes.

– Quanto tempo dedica à pesquisa para cada obra?


– Depende do local onde se passa a acção do livro, mas normalmente demoro um ano a escrever a obra, já com a pesquisa feita. Costumo pesquisar a informação para um livro quando estou a terminar o anterior.

– Costuma estabelecer pequenas metas enquanto escreve?

– Sim, especialmente quando a escrita não está a correr tão bem quanto gostaria, de forma a continuar a escrever… Antes, costumava estabelecer um mínimo de mil palavras diárias, mas depois percebia que era algo lastimável. Quando lia parecia apenas que tinha escrito mil palavras só por escrever. Actualmente, tenho uma meta de cerca de 10 mil palavras por semana. Por vezes é mais fácil que outras.

– Baseia-se em pessoas reais para criar as suas personagens?


– Sim. Mas não baseio uma personagem apenas numa pessoa, mas sim numa mistura de várias pessoas. Todas as personagens vêm da vida real, de experiências anteriores.

– Quando começou a escrever?

– Escrevi bastante quando era jovem, mas histórias para publicar apenas comecei há 14 ou 15 anos, ou seja, uns três anos antes do lançamento de ‘A Filha da Floresta’.

– Lembra-se do primeiro texto que escreveu?

– Uma história sobre um robot que se descontrola e começa a matar toda a gente. O pai do protagonista era um inventor que tinha criado esse robot e juntos tentam depois travá-lo. É a primeira coisa que me lembro de escrever em criança. Era algo de ficção-científica. Nada a ver com os meus livros de agora. (risos)

– Alguma vez pensou em partilhar textos?

– Poderia partilhá-los com os meus fãs. Ainda tenho esses textos guardados. Talvez um dia os coloque no meu site com download gratuito. (risos)

– As suas obras foram prontamente aceites pelos seus editores?


– Tentei primeiro um editor local que eu já sabia que não iria publicar, por não gostar de fantasia, mas que tinha o hábito de ler todos os textos, enviando depois uma carta com a sua opinião. A resposta foi bastante encorajadora, tendo-me aconselhado um outro editor, ao qual enviei o meu manuscrito. Esse novo editor aceitou logo a minha obra. Tive alguma sorte, pois conheço algumas pessoas que receberam 75 rejeições antes de serem aceites pelas editoras. Se eu tivesse sido rejeitada tantas vezes talvez não tivesse continuado…

– Esperava atingir sucesso a nível mundial?


– Não. Apenas pretendia que os meus livros fossem aceites. Nunca imaginei que poderia ter tamanho sucesso, com os meus livros a chegarem a vários países.

– Quais são os seus escritores preferidos?

– É interessante, pois não leio muitos escritores com um estilo semelhante ao meu. Gosto de Ian Banks, escritor escocês. Tal como já disse, de José Saramago – gostava muito de conseguir escrever como ele, mas ele era único -, e vários escritores clássicos, como Jane Austen ou Charlotte Brontë. Sobre fantasia, gosto de Neil Gaiman e Jacqueline Carey.

– Além de uma licenciatura em Linguística, tem também formação musical. Porquê a literatura em vez da música?

– Passei algum tempo a dar aulas de música e a tocar. Essa foi a minha primeira carreira. Mas as coisas foram acontecendo. Cheguei a um momento em que a minha vida sofreu algumas mudanças e senti o desejo de escrever. Escrevi ‘A Filha da Floresta’ quase como se se tratasse de uma terapia. Depois de começar percebi que adorava escrever…

Entrevista publicada no site do CM
Crédito da foto da escritora: Mariline Alves - CM

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